PADRÃO TÉCNICO E RUSTICIDADE PEDAGÓGICA

Prof. Dr. Marco Antônio Soares de Souza

Reitor da Universidade de Vassouras | Doutor em Química | Instrutor CMAS M***

A formação no mergulho autônomo não deve ser tratada como mera fase instrucional, mas como o momento mais determinante no processo de qualificação do praticante para ambientes adversos e potencialmente hostis. O meio subaquático impõe ao corpo humano demandas que não são negociáveis e que muitas vezes são imprevisíveis: correnteza, falhas de equipamento, bruscas variações de temperatura, percepção de pressão, baixa visibilidade, súbita limitação sensorial e sobrecarga psicofisiológica. Nesse contexto, a formação inicial exige não apenas domínio técnico, mas também fortalecimento emocional estruturado com base em experiências simuladas, controladas e pedagogicamente orientadas.

Para tanto, infere-se que os cursos de formação ou especialização, profissionais [Fig 1] ou mesmo recreativos, devam adotar como premissas tanto o rigor técnico quanto a rusticidade — compreendida não como margem para arbitrariedade ou brutalidade, mas como recurso didático voltado à simulação de adversidade com propósito pedagógico claro e controlado. Essa rusticidade manifesta-se na aplicação criteriosa de exercícios sob tensão moderada, seja por meio da construção discursiva, seja pelo uso deliberado de recursos físicos que afastem o aluno da zona de conforto e testem seu autocontrole, tomada de decisão e resiliência emocional. O objetivo é expor o praticante, desde as etapas iniciais, a desafios compatíveis com as exigências do ambiente natural.

Fig 1 – Treinamento de Mergulho Militar (fonte: Air Force Reserve Command)

A pesquisa conduzida pelo instrutor de mergulho Luiz Cláudio da Silva Ferreira — oficial do Exército Brasileiro e responsável pela segurança aquática nas provas de triatlo e natação em águas abertas nos Jogos Olímpicos Rio 2016 — constitui um dos estudos mais consistentes sobre a influência de variáveis estruturais na formação de mergulhadores, visando legitimar o emprego de elementos que desafiem a área afetiva do aluno. A investigação tomou como universo os alunos do curso introdutório (Open Water), onde enfrentamento do desconhecido se faz mais presente, e foi dividida em duas fases. Na primeira, analisou-se retrospectivamente o desempenho de alunos formados em diferentes profundidades de águas confinadas, com base em 889 fichas técnicas. Na segunda fase, 80 novos alunos foram distribuídos em dois grupos de 40: um treinado em piscina rasa (1,5 m) [Fig 2] e outro em profundidade superior (3 a 5 m) [Fig 3]. A variável central foi o desempenho técnico no exercício de “retirada, recolocação e desalagamento da máscara”, durante o primeiro mergulho de treinamento em águas abertas.

Fig 2 – Retirada de máscara em piscina de 1,5m (fonte: estudo científico do Cel Luiz Cláudio)

Fig 3 – Retirada de máscara em piscina de 5 m (fonte: estudo científico do Cel Luiz Cláudio)

A metodologia empregada seguiu padrão rigoroso: ambos os grupos tiveram o mesmo número de aulas, ministradas por instrutores equivalentes, com roteiro pedagógico unificado, uso de equipamentos idênticos e protocolo técnico comum. Como variáveis de controle, monitoraram-se a temperatura da água e a aferição de estresse antes do exercício de retirada de máscara, nas sessões em águas confinadas. Os resultados foram estatisticamente significativos: 85% de sucesso no grupo da piscina rasa e 96,6% no grupo de maior profundidade, sem correlação relevante com temperatura ou percepção prévia de estresse. O conjunto dos dados confirma a hipótese de que a profundidade maior introduz rusticidade técnica útil ao treinamento — como recurso pedagógico estruturado — ao simular com maior fidelidade as condições reais: desafio afetivo da maior coluna de água, maior pressão hidrostática, necessidade de melhor controle respiratório e ajustes finos de flutuabilidade.

Outros estudos corroboram esse raciocínio. Morgan et al. (2020), no Journal of Applied Sport Psychology, demonstraram que treinamentos que incorporam simulações de blackout e restrição visual aumentam a resiliência e a eficiência técnica em esportes de risco. Davis & Snyder (2018), ao analisar programas de formação militar aquática, concluíram que a progressão controlada de exigência — com simulações realistas, tarefas inesperadas e ordens sob pressão — resultou em maior segurança operacional, quando aplicadas com supervisão e rigor técnico.

Esses achados indicam que a rusticidade controlada é mais do que uma abordagem opcional: ela é uma ferramenta pedagógica robusta para a formação de mergulhadores capazes de operar em ambientes imprevisíveis. No mergulho autônomo, o objetivo não é a simulação de situações extremas, mas a inserção de pequenas tensões didáticas que obriguem o aluno a integrar técnica e equilíbrio emocional.

Negligenciar esse aspecto transforma o curso em um protocolo predominantemente de conforto, dissociado da realidade subaquática. Um instrutor que evita todo tipo de estressor formativo impede que o aluno desenvolva a capacidade de responder ao inesperado. Ao contrário, a rusticidade técnica, quando legitimada por parâmetros objetivos e aplicada com critério, consolida um praticante mais consciente, estável e seguro.

Em síntese, a fase educativa do mergulho deve ser conduzida com excelência metodológica, compromisso com os standards internacionais e rusticidade pedagógica calibrada. O estudo brasileiro citado oferece uma contribuição valiosa ao demonstrar, com método e evidência, que a profundidade no treinamento pode ser mais que um requisito logístico — pode ser um fator crítico de formação integral para o aluno e eficiência de emprego de meios para o instrutor ou escola. Essa rusticidade técnica, longe de ser sinônimo de dureza arbitrária, deve ser entendida como expressão do compromisso com a realidade, com a segurança e com a verdadeira preparação do mergulhador.

 

Certificações:

CMAS Instructor #M3/22/0002
PADI Specialty Diver – Advanced UW Digital Photographer

Warner Versiane

Natural do Rio de Janeiro, Warner descobriu sua paixão pelo mergulho em 2000, durante uma viagem à Ilha Grande/RJ, onde realizou seu primeiro mergulho recreativo. Encantado pela experiência, buscou imediatamente se capacitar no esporte, concluindo o curso Open Water no mesmo ano. Nos anos seguintes, aprofundou seus conhecimentos e habilidades ao realizar cursos avançados, consolidando sua paixão pelo mundo subaquático.

A dedicação à prática recreativa foi o alicerce para sua transição ao mergulho profissional. Em 2010, tornou-se Dive Master e, em 2018, instrutor pela CMAS (Confederação Mundial de Atividades Subaquáticas). Atualmente, Warner integra a equipe do Grupo de Mergulho Estácio de Sá (GMES), onde encontra sua maior realização ao ensinar novos mergulhadores. Sua metodologia reflete o compromisso com a segurança e o respeito ao ambiente subaquático, enfatizando o planejamento e a superação pessoal como pilares para o sucesso no mergulho.

Certificações:

CMAS Instructor #M3/22/0001
PADI Specialty Diver – Advanced UW Digital Photographer

Victor Saldanha Guimarães

Natural do Rio de Janeiro, Victor iniciou sua trajetória no mergulho em 2012, após uma experiência de snorkeling em Ilha Grande/RJ que despertou sua paixão pelo universo subaquático. Motivado por essa vivência, concluiu o curso Open Water em março de 2013 e, logo depois, uniu-se ao GMES, onde realizou o curso Advanced Open Water em maio do mesmo ano. Os anos seguintes foram marcados por intensa dedicação à prática recreativa, que o inspirou a buscar novos desafios e alcançar o nível profissional como Dive Master em 2017.

Sua jornada profissional no mergulho consolidou-se em 2021, quando se tornou instrutor pela CMAS (Confederação Mundial de Atividades Subaquáticas). Atualmente, Victor atua como instrutor do Grupo de Mergulho Estácio de Sá (GMES), onde incorpora os valores da escola e encontra realização ao conduzir cursos de iniciação, como o Open Water. Alinhado com a metodologia de seu mentor, enfatiza a superação pessoal e a segurança, acreditando que o risco deve ser gerido com planejamento detalhado e respeito ao ambiente subaquático.

Certificações:

Diver Medic Technician – IMCA Certified
ROV Pilot – UNDERWATER Training & Competence Solutions
Certificação ABENDI SM-PE-N2-G – SNQC-31954
Mergulho Profissional Raso – SENAI/RJ
Suporte Básico à Vida para Mergulhadores – SENAI/RJ
Inspeções END e técnicas avançadas de medição por espessura e potencial eletroquímico.

 

Ezequias Pereira Silva

Natural do Pará, Ezequias iniciou sua carreira profissional no Exército Brasileiro, onde atuou como Cabo entre 2007 e 2015, acumulando experiência em disciplina, organização e operações de alta responsabilidade. Em 2014, ingressou no mergulho profissional, especializando-se em inspeções submarinas e ensaios não destrutivos (END), consolidando sua trajetória em engenharia subaquática e suporte técnico offshore.

Atualmente, Ezequias é Mergulhador Profissional pela Oceânica Engenharia e Consultoria S.A., onde desempenha atividades em operações offshore, incluindo inspeções de FPSOs (Floating Production Storage and Offloading), pull-in/pullout e manutenção de estruturas submersas. Com certificações em ROV (Remotely Operated Vehicle), técnicas de ensaio por potencial eletroquímico e medição por espessura, além de formação como Diver Medic Technician (IMCA Certified), ele se destaca por sua precisão técnica e compromisso com a segurança subaquática.

Marco Antônio Soares de Souza

Nascido em Niterói (RJ), é instrutor de mergulho autônomo três estrelas pela CMAS, com mais de 20 anos de experiência na área.
Além de sua qualificação como instrutor, possui certificações técnicas em NITROX, Rescue Diver pela PADI e Mergulho em Cavernas pela IANTD, destacando sua versatilidade e dedicação às especializações no mergulho autônomo.
Com uma vasta experiência em mergulhos realizados no Brasil e ao redor do mundo, formou inúmeros mergulhadores, sempre priorizando a segurança, o respeito aos protocolos e a preservação do ambiente aquático como pilares fundamentais e indissociáveis do processo de formação.
Sua paixão pelo mergulho é inspiradora e reflete-se no compromisso contínuo com a formação de mergulhadores conscientes e preparados.

CMAS Special Instructor #M3/21/0006
TDI Cave # 224550


CMAS Instructor #M3/21/0005
PADI Tec Trimix /DSAT /Public Safe Diver Instructor #297219
SSI Specialty Instructor #54379
HSA Instructor #1-3098
IANTD CCR Megalodon #114922
DAN Instructor #14249
TDI Full Cave #835611

Luiz Cláudio da Silva Ferreira

Nascido no Rio de Janeiro, iniciou sua trajetória no mergulho ainda como cadete da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), onde se formou oficial do Exército pela Turma de 1991. Sua jornada profissional no mergulho consolidou-se a partir de 2008, como instrutor pela PADI (Professional Association of Diving Instructors), SSI (Scuba Schools International) e CMAS (Confederação Mundial de Atividades Subaquáticas). Desde então, acumulou qualificações técnicas, incluindo certificações como instrutor de mergulho adaptado pela Handicapped Scuba Association (HSA), mergulho de segurança pública, especialista em rebreather Megalodon e mergulho em cavernas pela IANTD, entre outras.
Fundador do Grupo de Mergulho Estácio de Sá (GMES), encontra sua principal realização nos curos de iniciação (Open Water), enfatizando a superação pessoal e a segurança. Para ele, o risco deve ser gerido com planejamento meticuloso e respeito ao ambiente subaquático, marcas de sua metodologia.