Por Prof. Dr. Marco Antônio Soares de Souza (DecoStop Nr 63)
Reitor da Universidade de Vassouras, Doutor em Química e Instrutor CMAS M***
A segurança subaquática em competições de águas abertas representa uma das tarefas mais complexas do planejamento de grandes eventos esportivos internacionais. Em 2016, durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de Janeiro, esse desafio alcançou proporções inéditas no Brasil, especialmente nas provas de triatlo e maratona aquática, realizadas desde o entorno do Forte de Copacabana até as proximidades do Forte do Leme. A operação foi considerada bem-sucedida sob todos os aspectos técnicos e operacionais, com execução precisa, ausência de incidentes e alto nível de integração entre as equipes envolvidas.

Foto 1 – Prova de Triathlon Jogos Olímpicos Rio 2016
O planejamento e a coordenação da segurança subaquática dessas provas foram confiados ao então Coronel da ativa Luiz Cláudio Ferreira, oficial do Exército Brasileiro com sólida formação e trajetória em atividades aquáticas operacionais e vinculado ao Centro de Capacitação Física do Exército (CCFEx). Luiz Cláudio foi designado formalmente por meio de convite de empresa SEASAFETY COMÉRCIO E SERVIÇOS MARÍTIMOS LTDA, vinculada ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB), com o aval do árbitro internacional da Federação Internacional de Natação, Marcelo Salem. Sua indicação foi fundamentada em sua expertise na condução de eventos similares e em sua qualificação técnica singular em operações subaquáticas.

Foto 2 – Coronel Cláudio Ferreira (abaixo) e Reitor Marco Soares (acima) na Prova de Triathlon Jogos Olímpicos Rio 2016
Entre 2005 e 2010, o Cel Luiz Cláudio coordenou a segurança subaquática de várias edições da tradicional Travessia dos Fortes, prova de 3.800 metros entre o Forte de Copacabana e o Forte do Leme, que envolvia milhares de atletas e demandava controle rigoroso de correntes, visibilidade e pontos de apoio. Entre 2005 e 2012, atuou também como responsável pela segurança subaquática da Travessia Flamengo–Urca, organizada pelo Centro de Capacitação Física do Exército (CCFEx), com percurso técnico de 2.500 metros. Além disso, o oficial possui histórico operacional em ambientes extremos de mergulho técnico, como o naufrágio do SS Andrea Doria, localizado no Atlântico Norte, envolto por águas com temperatura entre 3 e 5 graus Celsius, correntes superiores a 6 nós e visibilidade inferior a 3 metros; no Blue Hole de Dahab, Egito, com profundidades além dos 100 metros e passagens submersas com risco de desorientação; e nas paredes verticais de Fernando de Noronha, com descidas acentuadas, também além dos 100 metros de profundidade, variação de corrente e mudanças abruptas de visibilidade. Esses ambientes impõem desafios operacionais equivalentes aos de provas em mar aberto.
A elaboração deste estudo contou com a observação direta do autor, então reitor universitário e instrutor de mergulho certificado, durante os eventos-teste e competições olímpicas de 2015 e 2016. A presença em campo teve como finalidade acompanhar, sob perspectiva técnico-acadêmica, os procedimentos empregados na gestão de risco subaquático, com vistas ao desenvolvimento de pesquisa aplicada em ambientes operacionais de alta complexidade. Essa imersão observacional buscou documentar metodologias empregadas em situações reais, contribuindo para uma análise estruturada da integração entre logística, doutrina operacional e protocolos de resposta em ambientes com variáveis ambientais críticas.
A participação do Coronel Luiz Cláudio nas competições olímpicas e paralímpicas incluiu a coordenação da segurança nas seguintes datas e provas:
- Evento-teste de Triatlo: 1 e 2 de agosto de 2015
- Evento-teste de Maratona Aquática: 22 de agosto de 2015
- Provas de Triatlo – Jogos Olímpicos Rio 2016: 18 (masculino) e 20 de agosto de 2016 (feminino)
- Provas de Maratona Aquática – Jogos Olímpicos Rio 2016: 15 (feminino) e 16 de agosto de 2016 (masculino)

Foto 3 – Equipe Alfa, Beta e Charlie em preparação para prova de natação em águas abertas
O objetivo central da segurança subaquática nas provas de águas abertas dos Jogos Rio 2016 era garantir resposta imediata a emergências envolvendo atletas em risco de afogamento, síncope ou outras condições críticas durante a competição. A principal função das equipes subaquáticas consistia na identificação e retirada rápida de atletas inconscientes ou em estado pré-sincopal, antes que ocorresse submersão prolongada. A preparação operacional da equipe incluiu o estudo de casos registrados em eventos similares ao redor do mundo, como os Jogos Olímpicos de Londres 2012 e o Ironman World Championship no Havaí, onde foram observadas ocorrências de hiponatremia, exaustão térmica, arritmias induzidas por esforço, ataques de pânico e hipóxia aguda. Os protocolos operacionais previam, como medida de último recurso, a execução de buscas de varredura no perímetro da última localização visual confirmada do atleta, utilizando boias de marcação, sinalização de superfície e triangulação visual. Essas ações tinham por finalidade reduzir ao máximo o intervalo entre a perda de contato e o resgate efetivo, etapa crítica para a preservação da vida e mitigação de sequelas neurológicas permanentes.

Foto 4 – Desembarque da Equipe Gama após a prova de Triathlon
O escopo do planejamento incluiu o mapeamento técnico do percurso com base em levantamento batimétrico, análise de correntes predominantes, visibilidade subaquática, influência das marés, temperatura da água e histórico de riscos da área. Além disso, foram consideradas as características geográficas específicas da Praia de Copacabana, como a inclinação do fundo, a presença de recifes e as ondulações provocadas por ressacas, bem como as variações sazonais de vento e corrente. Em razão de registros pontuais de deriva acentuada de boias de marcação — observados tanto em eventos anteriores quanto no evento-teste de 2015 —, foram incluídos protocolos específicos de observação e sinalização para monitoramento da posição dos mergulhadores e dos elementos flutuantes. Essa experiência evidenciou a necessidade de planejamento dinâmico e respostas operacionais rápidas, com ajustes táticos em tempo real. Também foram definidos pontos de ancoragem seguros para embarcações de apoio e estabelecidas zonas técnicas de entrada e saída de atletas, em conformidade com critérios de segurança operacional e as exigências da Federação Internacional.

Foto 5 – Inspeção de correntes e levantamento batimétrico
Para assegurar resposta imediata, foram posicionados estrategicamente cerca de 24 mergulhadores por dia de prova, organizados em binômios distribuídos por segmentos críticos do percurso. Ao todo, o contingente mobilizado para a segurança subaquática — incluindo operadores de superfície e apoio tático embarcado — ultrapassou 80 profissionais, entre militares e civis especializados em operações aquáticas. Todos os mergulhadores atuantes detinham certificações operacionais e formação específica em resgate em águas abertas, com qualificação em Primeiros Socorros, Rescue Diver, Emergency First Response (EFR) com ênfase em RCP e oxigenoterapia, Mergulho Profundo (Deep Diver), Navegação Subaquática, Busca e Recuperação (Search and Recovery Diver) e Mergulho com Corrente (Drift Diver). Complementarmente, todos participaram de treinamentos em simulados operacionais baseados em provas reais, bem como de instruções específicas sobre protocolos esportivos, posicionamento tático e gestão de risco integrada à dinâmica das competições. A coordenação entre esses profissionais e as equipes de superfície foi conduzida com precisão, garantindo a cobertura total da área de prova e a pronta resposta a qualquer ocorrência.
A evacuação de emergência foi prevista com rotas de desembarque rápido em quatro pontos previamente autorizados na faixa litorânea: Posto 6, Forte de Copacabana, Praia do Leme e Marina da Glória. Esses pontos estavam integrados a um plano de atendimento articulado com pelo menos seis ambulâncias UTI móveis, posicionadas conforme rota de evacuação, com apoio do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro. O atendimento médico especializado foi reforçado por equipes do SAMU e da Força Nacional do SUS, legalmente designadas para socorro secundário e triagem no local. Unidades hospitalares de retaguarda foram preparadas no Hospital Municipal Miguel Couto e no Hospital Central do Exército (HCE), ambos com salas de trauma pré-reservadas nos dias de prova.
A partir desses dados, elaborou-se uma matriz de risco segmentada por trechos do percurso, o que orientou a disposição dos recursos de segurança subaquática.
A estrutura montada foi composta por mergulhadores operacionais, embarcações rápidas com pessoal de resgate embarcado, equipes de saúde e apoio, além de patrulhamento costeiro de superfície. A mobilização desses meios baseou-se em três critérios: (1) distância entre os pontos mais sensíveis do percurso e o tempo de resposta estimado; (2) presença de público e pontos de transição dos atletas; e (3) histórico de turbulência marinha ou baixa visibilidade.

Foto 6 – Equipe Delta em preparação para prova de natação em águas abertas
A coordenação incluiu briefings técnicos com todas as equipes envolvidas, execução de ensaios táticos com simulações de resgate em tempo real e testes de comunicação entre superfície e operadores submersos. Rádios VHF e dispositivos de comunicação subaquática garantiram redundância. Cada embarcação operava com oxigenoterapia, pranchas de resgate e marcador GPS para evacuação controlada.
Durante os eventos, postos de observação em pontos elevados da orla garantiram o monitoramento visual de toda a área. Observadores treinados atuavam na identificação de padrões incomuns de deslocamento entre os atletas. Não foram registradas ocorrências graves durante as competições, resultado direto da preparação e integração das equipes.
A desmobilização seguiu protocolo padronizado: inspeção de equipamentos, liberação gradual das áreas e elaboração de relatório pós-operação. Esse ciclo permitiu o desenvolvimento e validação de um modelo de segurança subaquática replicável para eventos internacionais.
A operação foi, do ponto de vista técnico e de resultados, irrepreensível. A ausência de intercorrências, o cumprimento dos protocolos de segurança e a resposta eficiente a riscos latentes evidenciam o êxito do planejamento executado. A experiência acumulada em edições anteriores de provas de natação em águas abertas, combinada à atuação em ambientes extremos de mergulho técnico, contribuiu para a execução segura e eficaz de uma das frentes logísticas mais sensíveis dos Jogos Rio 2016. A atuação do Coronel Luiz Cláudio Ferreira consolidou-se como referência nacional em segurança subaquática aplicada a grandes eventos, integrando experiência operacional, conhecimento técnico e capacidade de liderança em ambientes de alta variabilidade e risco controlado.

Foto 7 – Coronal Cláudio Ferreira e Reitor Marco Soares na desmobilização pós prova olímpica
Author
Marco Antônio Soares de Souza
CMAS Instructor # M3/09/00001

