Por Luiz Cláudio S Ferreira (DiveOps Nr 21)
A migração do SCUBA tradicional para o CCR não envolve apenas a substituição de equipamento, mas a reformulação integral da percepção situacional do mergulhador. No circuito aberto, o ruído contínuo do fluxo respiratório funciona como marcador de normalidade fisiológica. No CCR, esse som desaparece, exigindo que o mergulhador reestruture seu mapa sensorial, desenvolvendo maior atenção à propriocepção e leitura contínua de instrumentos. A ausência de bolhas altera a percepção ambiental e impacta também no senso de orientação, no ritmo respiratório, na percepção de esforço e no grau de alerta cognitivo sustentado ao longo da imersão.

Abertura – Fonte AlertDiver DAN
A resistência respiratória no CCR é significativamente superior. Essa resistência é influenciada pela profundidade, pela densidade da mistura gasosa e pelo estado do scrubber e do loop. Misturas Trimix, com adição de hélio, atenuam a carga ventilatória, mas não eliminam os riscos associados à hipercapnia. A percepção subjetiva de segurança é reduzida pela ausência de sinais auditivos, obrigando o mergulhador a monitorar continuamente a variação do PPO₂, o desempenho dos sensores e a integridade do sistema respiratório. Isso exige domínio da própria ventilação sob esforço, disciplina mental constante e habilidade em reconhecer precocemente sinais sutis de comprometimento respiratório, antes que evoluam para eventos fisiológicos relevantes.
A transição provoca desconforto psicológico mesmo em mergulhadores experientes. A ausência dos marcos sensoriais familiares do SCUBA desencadeia uma ansiedade adaptativa, que pode evoluir para descompensações se não for adequadamente abordada. Técnicas de respiração consciente, foco atencional e simulações sob carga ajudam a condicionar a resposta emocional. A confiança construída em anos de mergulho convencional deve ser substituída por uma nova autoconfiança baseada em doutrina técnica, domínio de sistemas complexos [Fig 2] e assimilação dos riscos operacionais característicos do circuito fechado.

Fig. 2 – Fonte Autor
No CCR, a vigilância precisa ser constante. Falhas no scrubber, sensores descalibrados e PPO₂ fora de setpoint não produzem alertas sonoros imediatos. O mergulhador deve ser capaz de antecipar desvios operacionais com base em leitura frequente dos parâmetros críticos e percepção de variações respiratórias sutis. Isso requer disciplina cognitiva, memorização operacional de contingências e assimilação de falhas típicas do circuito. A gestão da respiração torna-se deliberada, e não mais instintiva.
Além do domínio técnico, o mergulhador em CCR precisa integrar habilidades cognitivas avançadas, como manutenção de foco prolongado, gerenciamento de falhas silenciosas e tomada de decisão baseada em dados fisiológicos dinâmicos. Protocolos de resposta devem ser internalizados, e o uso de checklist mental ou físico deve ser institucionalizado na rotina de imersão.
A abordagem didática mais recente adotada por escolas propõe que os fundamentos do CCR sejam treinados em estágios modulares e isolados, antes da integração total do sistema em profundidade. Esse modelo reduz a sobrecarga cognitiva inicial e permite que o aluno construa, de forma progressiva, uma relação consciente com os principais elementos do circuito — como a leitura de PPO₂, a verificação de válvulas e a interpretação das dinâmicas do loop respiratório. O treinamento baseado em microcompetências operacionais cria uma base sólida para decisões críticas, estabelecendo padrões de resposta que podem ser automatizados sem comprometer a vigilância subjetiva [Fig 3].

Fig 3 – Fonte InDepthMag
A formação avançada deve incluir cenários simulados com falhas no PPO₂, aumento súbito da densidade respiratória, e treinamento para identificação de hipercapnia em estágios iniciais. A capacidade de manter estabilidade psicofísica sob essas condições define a segurança em ambientes extremos. O CCR amplia os limites de tempo e profundidade, mas exige vigilância técnica constante e um novo patamar de autogestão subaquática. Cada decisão deve ser tomada com base em leitura crítica dos parâmetros e autoconsciência ventilatória constante, incorporando o domínio da fisiologia respiratória como parte inseparável da conduta operacional.
- CONCLUSÃO OPERACIONAL
A transição para o CCR representa uma mudança de paradigma operacional. Embora ofereça vantagens como maior autonomia, perfil hidrodinâmico e controle da mistura respiratória, impõe ao mergulhador uma nova carga psicofisiológica e cognitive [Fig 4]. O sucesso dessa migração depende da integração entre conhecimento técnico, treinamento em carga real, domínio emocional e consciência respiratória plena. A formação para CCR deve incorporar simulações realistas, doutrina estruturada e adaptação progressiva ao silêncio operacional, para que o mergulhador aprenda a perceber riscos não por sinais externos óbvios, mas por leitura interna da própria resposta fisiológica. A compreensão plena dessa transição implica não apenas modificar a técnica respiratória, mas adotar uma nova lógica de comando interno e supervisão psicofisiológica. Trata-se de operar em um ambiente onde a ausência de ruído pode representar não tranquilidade, mas um silêncio perigoso. A segurança em CCR não está no conforto aparente, mas na estrutura mental e operacional que o mergulhador constrói antes de cada imersão.

Fig 4 – Fonte Autor
Author
Luiz Cláudio da Silva Ferreira
CMAS Instructor # M3/10/00001
PADI Tec TRIMIX/DSAT Instructor # 297219
DAN Instructor #14249
#007.615.457-27

